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Comer laranja com canela e pimenta-de-caiena trata a obstipação?

26 Abr 2024 - 02:20
falso

Comer laranja com canela e pimenta-de-caiena trata a obstipação?

Partilha-se num vídeo no TikTok que cortar uma laranja em quatro pedaços, adicionar canela e pimenta-de-caiena e comer tudo combate a obstipação em 5 a 10 minutos. 

Ao citar dois estudos, a autora do vídeo alega que esta técnica funciona, porque “as laranjas contêm naringenina”, um flavonoide “com um efeito laxante”. 

Além disso, acrescenta, “a pimenta-de-caiena e a canela contêm capsaicina”, uma substância que estimula o trato gastrointestinal. Será que esta receita trata a obstipação?

Mezinha com laranja, canela e pimenta-de-caiena combate a obstipação?

Numa nota conjunta enviada ao Viral, Ana Faria, professora de Química dos Alimentos da NOVA Medical School (NMS), e Hélder Pinheiro, médico e professor de Farmacologia na mesma faculdade, adiantam que não existe evidência científica que comprove a eficácia e segurança desta prática.

Na perspetiva dos especialistas, o facto de a obstipação ser um problema comum na população em geral leva à “necessidade de resolver o problema”, e esta receita – que consiste numa mistura de laranja, canela e pimenta de caiena – surge como mais uma “hipotética resolução”.

Contudo, Ana Faria e Hélder Pinheiro consideram importante desconstruir as alegações do vídeo em análise. 

Em primeiro lugar, referem os professores, no vídeo sugere-se como relevante a ação de “duas moléculas bioativas: naringenina e capsaicina”.

Em relação à primeira, que está “presente principalmente na casca de laranja”, esta é, de facto, uma substância à qual foi atribuído “um efeito laxante”. Contudo, ao consultar-se os estudos citados, percebe-se que essa ação foi observada apenas em animais.

Além disso, salientam os especialistas, “nos artigos científicos citados pela autora do vídeo, a naringenina é administrada de forma isolada e em concentrações bastante acima daquelas que se conseguem com a ingestão de uma laranja”.

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Para mais, acrescentam, é necessário ter em conta que a laranja “tem muitos outros componentes, como a fibra, com um papel importante na regulação do trânsito intestinal”. 

Assim, “apesar de a naringenina poder ter um efeito potencialmente benéfico, não se encontram ensaios em humanos que demonstrem o seu efeito laxante, nem que atribuam o efeito laxante da ingestão de laranja somente à presença de naringenina”, concluem os professores da NMS.

Ana Faria e Hélder Pinheiro explicam que “não sabemos nada sobre a dose em que se pode ingerir, não sabemos sequer a dose na porção do alimento, tal como não conhecemos a sua biodisponibilidade no contexto do alimento”.

Por outras palavras, não se pode extrapolar os resultados destes estudos por dois motivos. Em primeiro lugar, o facto de as laranjas serem ricas em naringenina não quer dizer que estas frutas tenham o mesmo efeito no organismo que a administração isolada de naringenina.

Depois, ambos os estudos foram feitos em animais. Logo, não se sabe se as conclusões em humanos seriam iguais.

Em relação à outra molécula, prosseguem os especialistas, “a capsaicina é conhecida por acelerar a motilidade intestinal e levar a uma sensação de queimadura na mucosa anal em indivíduos saudáveis, resultando habitualmente no efeito laxante”. 

Por este mesmo motivo, alertam, “a ingestão de alimentos ricos em capsaicina está associada ao aumento da sintomatologia em doentes com doença inflamatória intestinal”. 

Apesar de as alegações em relação à capsaicina terem fundamento, mais uma vez, os estudos que existem “são moleculares e isolam as substâncias”, ou seja, não investigam os efeitos de alimentos específicos (como a canela e a pimenta de caiena) em humanos.

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“A tentação é atribuir a este composto o efeito observado no consumo de um alimento, mas muitas vezes o resultado observado nos estudos humanos será um resultado de vários compostos bioativos que interagem nos alimentos ingeridos e não de um isolado”, explicam. 

Como se trata a obstipação?

Na visão dos especialistas, a obstipação “é, muitas vezes, considerada ‘normal’” e “como uma inevitabilidade da vida”. Aliás, os “dados de uma revisão sistemática mostram que a prevalência de obstipação na Europa é de cerca de 17%”, apontam.

Contudo, esta perceção comum “relativiza a sua importância, negligenciando o tratamento”, defendem os professores da NMS. 

“A obstipação é sem dúvida uma manifestação clara de que algo não está bem” e “deve ser tratada”, alertam. 

Assim, segundo Ana Faria e Hélder Pinheiro, “as pessoas com este problema devem consultar um médico e, em articulação com um nutricionista, ter ajuda alimentar e, se necessário, ajuda farmacológica”. 

Além disso, os especialistas realçam a importância da hidratação adequada como fator fundamental no combate à obstipação.

Claro que os doentes “podem experimentar associar alimentos com fibra e com compostos laxantes”, mas nunca devem fazê-lo “em exagero” e devem sempre contar “com ajuda de profissionais de saúde” nesse processo.

Do ponto de vista dos professores da NMS, não faz sentido seguir esta e outras receitas “sem que o doente altere comportamentos alimentares de modo a cumprir a dieta mediterrânica, e ainda, e não menos importante, a prática de exercício físico e uma vida ativa”. 

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Isto porque “será com rotinas, estilo de vida alterado e melhorado, que o trânsito intestinal pode ser regularizado”, sustentam.

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26 Abr 2024 - 02:20

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